domingo, 2 de dezembro de 2012

QUE PERDÃO DE JUROS ?

Muito se tem falado na eventual renegociação da dívida portuguesa e, eventualmente, do perdão de parte dela. Já por diversas vezes tive oportunidade de expressar a minha opinião quanto à dificuldade de alterar o satus quo. Leia-se perdão do montante da dívida e juros a pagar.

Contudo, existe uma hipótese, pelo menos académica, de haver um perdão de parte dos juros, sem que nenhuma das partes perca a face ou fique a perder em termos económicos.

Passo a explicar.

Aquando do início da crise, os mercados secundários penalisaram, substancialmente, as díviudas soberanas, exigindo um elevado prémio de risco, o qual determinou, imediatamente, a subida do yield (taxa de juro implícita) nas títulos de dívida dos países mais afetados, no mercado secundário de dívida (mercados onde se transacionam os títulos depois da sua emissão primária).

Em termos financeiros, quando o yield de um título de rendimento fixo sobe, isso significa que o valor patrimonial de mercado, desse mesmo título, desce. Isto acontece por que o montante de juro a pagar mantém-se inalterado, e o valor intríseco do título deve baixar para proporcionar um maior rendimento a quem está disponível a investir nesse título.

Tomemos o seguinte exemplo. Um título emitido com valor facial de € 1.000,  a uma taxa de juro de 3%, confere um rendimento anual de € 30. Ora se os investidores penalisam, em termos de risco, esse título, e só estão dispostos a investir se o seu rendimento esperado passar a ser de, por exemplo 17%, então o título passa a ser transacionado, no mercado secundário a € 176 (em vez dos iniciais € 1.000).

Foi exatamente isto que aconteceu aos títulos do países sob ataque, no auge da crise. Assim, os títulos do tesouro português, se tivessem sido emitidos a € 1.000, a uma taxa de juro de 3%, com o pico do yield a atingir os 17%, em fevereiro de 2012, estariam a ser transacionados, no mercado secundário, a € 176.

Por volta daquela data, o Banco Central Europeu fez aquisição de somas elevadas de títulos soberanos,com o intuito de não os permitir desvalorizar mais. Contudo, ao adquiri-los, ficou com títulos em carteira que hoje, ao preço de mercado, valem substancialemnte mais.

Ou seja, como Yield desses títulos está em redor dos 7%, significa que esses mesmos títulos estão agora a ser transacionados a um valor em volta dos € 429. Ou seja, quem adquiriu títulos do tesouro português, em fevereiro de 2012é e agora os queira vender, obtem uma mais valia potencial de 143%.

Nada mau para um investimento em menos de 1 ano.

Ora é precisamente esta margem que, no meu entendimento, é passível de ser perdoada pelo BCE. Ou seja, o BCE não é um banco de investimento, nem muito menos um banco especulativo.

Então, a parcela de stock de dívida em que possa a estar a obter ganhos económicos, ou seja um rendimento acima dos juros cobrados a Portugal, no âmbito do programa de estabilização negociado, poderia haver um perdão de juros. E só nessa medida.

Mas será que esse perdão pode ser significativo? Tudo depende do stock de dívida que tenha sido adquirida pelo BCE, aquando da tentativa de acalmar o mercado secundário de dívida.

Quanto maior tenha sido essa aquisição, maior potencial de ganho resultaria para o BCE, e, por esse motivo, maior perdão de juros poderiam os portugueses aspirar.

Ou seja, o BCE contentar-se-ia em receber juros correspondentes a uma taxa equivalente àquela que resulta do empréstimo a Portugal, no âmbito do programa de estabilização em curso. Assim, em vez de € 30 por cada € 1.000 de valor facial de títulos adquiridos pelo BCE, no mercado secundário, receberia apenas € 5,28, que correspondem a 3% de € 176 (valor de compra dos títulos em mercado secundário, à data de fevereiro de 2012).

Mas permitir que se faça isso é novamente um exercício que depende da interpretação dos tratados europeus. Certo é que em termos meramente económicos, o BCE não perderia (embora perdesse em termos financeiros) e Portugal, bem como os restantes países agradeceriam.

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