quinta-feira, 27 de setembro de 2012

FRESCO DE CRISTO

Na primeira semana de setembro de 2012, o mundo foi assaltado pela notícia de que uma idosa espanhola, beata da igreja do santuário da misericórdia, em Borja, Saragoça, triste com o facto de um fresco com a imagem de cristo se encontrar detriorado, se prontificou a proceder, de sua autoria, ao pretendido restauro do mesmo.

Aconteceu porém o pior. Da imagem detriorada de um cristo sofredor surgiu uma imagem bucólica, para não dizer anedótica, de um ser gordo, bolochudo, quase bobo.

Tal facto, uma vez noticiado por todo o mundo, proporcionou a gargalhada geral mas também criou um sentimento, quase geral, de empatia e compreensão para com a dita restauradora voluntariosa. Organizaram-se visitas ao local para ver ao vivo tão bizarra como bucólica imagem restaurada.

Contudo, não se conhece qualquer movimento organizado ou voluntário no sentido de punir ou mesmo ostracizar a autora do dito restauro ou contra as empresas de comunicação que difundiram a notícia e a imagem pouco lisonjeira para o símbolo máximo dos cristãos.

Imagine-se porém se tal facto acontecesse numa qualquer mesquita com a imagem do profeta Maomé. Se o restauro de um fresco do profeta Maomé resultasse numa forma tão grotesca, quase anedótica, e essa situação fosse difundida mundialmente pelos meios de comunicação internacionais, a ridicularizarem a nova imagem pseudo restaurada, apresentando-a de uma forma grotesca, quase boba, qual teria sido o sentimento dos milhões de muçulmanos ?

Será que os muçulmanos teriam reação semelhante à dos cristãos sobre as imagens pseudo restauradas da Igreja de Borja ?

Tendo em conta a reação que manifestam quando surge num qualquer jornal ocidental uma qualquer caricatura ao profeta Maomé, bem como as reações que tiveram ao recente filme difundido no You Tube sobre aquele profeta, ou à queima do Corão por parte de uma menor autista no Paquistão, fácil seria prever que a reação não seria de todo serena.

Todos sabemos que existem diferenças na cultura cívica, mas também religiosa entre cristãos e muçulmanos. Mas a diferença do que aqui se trata é de algo mais básico, e esse básico tem a ver com o estado primário em que ainda vive grande parte do povo muçulmano quanto ao reconhecimento dos valores sobre o ser humano e a sua relação com a espiritualidade. Quem coloca à frente dos valores básicos sobre o ser humano as questões da espiritualidade revela que ainda tem um longo caminho a percorrer para conjugar de forma harmoniosa e equilibrada a vida e a espiritualidade.

 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

RESMAS DE COMPETITIVIDADE

Quando o governo português anunciou as alterações na taxa social única (TSU), fundamentou a sua implementação com a necessidade de, através desta estratégia fiscal, proporcionar, de forma célere, fatores de competitividade às empresas portuguesas, idênticas às que resultariam da desvalorização cambial (instrumento fora do alcance do governo por fazermos parte da zona euro).

Áparte os descontentamentos que os sindicatos, partidos políticos da oposição (e não só) e parte substancial da população portuguesa manifestaram com a previsível implementação de uma tal medida, assistiu-se a um conjunto de agentes económicos que surpreendeu pela posição tomada. Refiro-me às entidades representativas do patronato bem como de alguns empresários mediaticamente conhecidos.

Vieram estes dizer que, a transferência de parte do ónus da TSU para os trabalhadores, em favor das empresas, não proporcionava qualquer incremento de competitividade às suas empresas, para além de fazer reduzir substancialmente a procura interna dos seus produtos e serviços.

Assim, assumiam as entidades patronais, logo seguidos por alguns patrões mediáticos, que se tal medida fosse avante, estariam na disposição, ou mesmo, afirmavam categoricamente que transfeririam a poupança potencial obtida, para os seus trabalhadores.

Ora, fazendo jus às afirmações das entidades patronais, ou seja, se a poupança resultante das alterações propostas à TSU não proporcionam acréscimo de competitividade às empresaas portuguesas, é legítimo concluir que as empresas portuguesas têm uma folga de competitidade pelo menos equivalente à poupança que obteriam com aquela medida.

Tal conclusão é reforçada pelo facto de as entidades patronais terem afirmado que assumiriam o aumento dos custos do trabalho, na exacta medida da poupança obtida.

Serve isto para dizer que os sindicatos nunca tiveram uma tão grande oportunidade para justificar, como legítima e justa, a reivindicação de aumentos salariais nas empresas portuguesas, equivalentes às poupanças que o empresariado português entendeu como desnecessárias ao acréscimo de competitividade.

O mais surreal de tudo isto, foi que, a rejeição às alterações à TSU, obtiveram a unanimidade das entidades representativas da indústria, comércio, turismo e até da agricultura.Vá-se lá perceber. Afinal, as empresas nacionais, de todos os sectores de atividade, esbanjam resmas de competitividade.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O POVO É QUEM MAIS ORDENA

O País assistiu, na passada semana, ao anúncio de um conjunto de medidas, embora anunciadas de forma genérica, que o Governo tenciona incorporar no orçamento de estado para 2013.

É certo que a globalidade das medidas anunciadas vão novamente fazer-se sentir na população em geral, de forma severa e, por vezes, a roçar os limites do tolerável. De imediato, ouviu-se um coro de protesto de sindicatos, confederações empresariais, partidos e da população que participou na tão propagandeada, anunciada e acompanhada manifestação de centenas de milhar de portugueses.

Até aqui nada de novo. Ou seja, a democracia é para isto mesmo. Quem está contra manifesta-se, desde que o faça dentro dos limites do tolerado pela lei.

Mas vieram logo os oportunistas do costume dizer que o povo português estava na rua. É verdade. Mas não era todo o povo português. Quem passou pelas praias da zona de Lisboa (linha de Cascais, Costa da Caparica até à Fonte da Telha) deve ter constatado que igualmente, estavam centenas de milhar de pessoas (também portugueses) que ou não se motivaram o suficiente para participar na manifestação ou simplesmente não quiseram ir ou então gostariam de lá estar mas preferiram aproveitar os últimos dias de verão.

E na lógica de que a rua é quem mais ordena, houve mesmo comentaristas políticos, jornalistas e políticos, que adiantaram a brilhante ideia de que o governo estava e está moribundo, e devia sair ou ser demetido pelo Presidente da Repúbica.

Esquecem-se que o 25 de abril não foi feito para que as decisões de manutenção ou continuidade dos governos, sejam eles quais forem, sejam tomadas na rua. Nem mesmo foi feito, como alguns querem fazer querer, para colocar o pão à mesa de cada família, dar uma habitação a cada família ou um carro (embora de forma platónica a constituição assegure que todos têm direito à habitação - só se esqueceu de dizer como).

O 25 de abril foi feito para que um país, Portugal, fosse organizado politicamente de forma democrática. O que implica que é o povo, no âmbito das diversas eleições que se realizam de forma periódica e de acordo com um determinado calendário, escolham os seus representantes para os diversos orgãos de poder do estado, e, em sua consequência, esses eleitos nos governem, em função dos programas eleitorais (pelo menos de forma idealista).

Dirão alguns (senão a generalidade dos portugueses) que os sucessivos governos, logo que se instalam no poder, alteram substancialmente, para não dizer de forma irreversível, os seus programas eleitorais.

É certo que os programas eleitorais são orientações (ou deviam ser) daquilo que seria de esperar da governação dos nossos eleitos. Mas não é necessariamente assim (como nós infelizmente sabemos) nem tem de ser necessariamente assim. O exercício da governação é, mais do que a execução de um programa ideal, a execução de um modelo económico, social e cultural dentro dos limites e capacidade financeira do estado (embora alguns governos tenham ido muito além do que a capacidade dos estados permitia financeiramente), em função do que em cada momento é possível (e não necessariamente desejado ou desejável) fazer. E esse modelo económico, social e cultural deve ser interpretado pelos eleitores dentro da linha política que cada partido defende e não necessariamente dentro dos programas eleitorais.

É pois inadmissível que se pretenda um determinado efeito político (demissão de um governo) porque em dado momento, parte da população tenha manifestado o seu profundo desagrado publicamente, ainda que esse mesmo governo continue a manter intacto o suporte da maioria dos deputados da assembleia da república.

É por isso com surpresa (para não usar palavras mais cruas) ou talvez não, que constatei afirmações no sentido de que o Presidente da República devia demitir o governo, ainda para mais quando tais afirmações terão sido produzidas por ex governantes.

Tal como escreveu o Constitucionalista Vital Moreira, no seu blog, Causa Nossa, em 16 de setembro de 2012 e que subscrevo na íntegra, "Nenhuma democracia pode assentar em referendos de rua, para revogar decisões políticas do governo em funções. isto vale para todos os governos, incluindo aqueles de que não gostamos - e em quem não votámos.".

O Povo é quem mais ordena, é verdade, mas não é na rua. É nas urnas.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

PRESTAMISTA DE ÚLTIMA INSTÂNCIA

Desde o 25 de abril de 1974 que Portugal se tem confrontado regularmente com problemas de endividamento excessivo do Estado. Tal situação, associada a constantes défices orçamentais já determinaram, por três vezes, desde aquela data, a necessidade de intervenção externa no sentido de assegurar o financiamento da economia e do Estado português.

Este último resgate com que nos defrontamos atualmente, tem de diferente face aos anteriores o fato de que de uma forma regular e incisiva ter sido previsto com alguma antecedência, e os nossos governantes terem sido alertados para a possível eminência da sua necessidade. Tal situação agravou-se, é justo dizê-lo, pela crise financeira despoletada nos Estados Unidos da Améria, a qual veio colocar, de forma premente e aguda, uma pressão insuportável sobre as dívidas soberanas dos estados europeus altamente endividados.

Mas tudo isto já sabemos. O que a generalidade da população, dos países sob intervenção dos planos de resgate desenhados pela CE, FMI e BCE (a denominada troica),  não aceita ou tem dificuldade em aceitar é que sejam elas a pagar por uma dívida que "não contraíram".

Quanto aos restantes países sob intervenção não me pronunciarei, mas quanto a Portugal atrevo-me a partilhar com os cibernautas as minhas reflexões.

Portugal desde há várias décadas tem uma incapacidade de gerar poupança suficiente para financiar a economia portuguesa, mormente os investimentos públicos bem como os investimentos privados, já para não falar do financiamento ao consumo privado. Tal incapacidade resulta de uma fraca capacidade de gerar riqueza, como também a um crescente hábito de consumo em detrimento da poupança. Assim, a pouca riqueza gerada e poupada em Portugal não tem sido suficiente para financiar o nosso desejo (diga-se legítimo) por aspirar a um nível superior de bem estar coletivo e individual.

Acontece porém, que ao exigirmos mais bens e serviços públicos, mais infra estruturas públicas, mais assistência hospitalar pública, mais educação pública, mais bem estar coletivo e bens de consumo privado temos que ter a consciência de que ou temos dinheiro para os pagar a pronto ou nos endividamos, seja o estado sejam as empresas ou famílias.

E nesta ânsia de reivindicarmos cada vez mais e melhor para satisfazer o nosso desejo de bem estar coletivo e individual teria sido de bom senso acautelar se o estamos a fazer a um ritmo demasiado acelerado para a nossa capacidade. Nada melhor para expressar esta situação senão o dito popular  "demasiada areia para a minha carruagem".

Se formos intelectualmente honestos, todos nós devemos ter consciência que participámos, ou exigimos aos nossos governantes, passiva ou ativamente, no âmbito de uma quase "histeria coletiva", um novo hospital junto da nossa comarca, uma melhor auto estrada que servisse os  nossos interesses profissionais ou lúdicos, uma melhor escola de preferência com turmas em que o rácio professor alunos fosse digno das melhores estatísticas mundiais, novas universidades para satisfazer as necessidades de ensino mormente daquele curso que ninguém, para além dos diretamente envolvidos, sabe para que serve, que a televisão pública patrocinasse jogos de futebol como se de um canal desportivo de tratasse, que as câmaras providenciassem àgua a preços irrealistas, que as câmaras criassem todo um conjunto de serviços camarários nem que para isso tivessem de criar estruturas pseudo empresariais com custos para o herário público muito acima do financeiramente aceitável, que as câmaras patrocinassem habitação social sem cuidar de verificar assertivamente sobre a real necessidade e capacidade dos beneficiários em pagar rendas justas, que as empresas públicas, mormente as de transporte, prestassem o melhor serviço, e de preferência universal, a preços substancialmente abaixo do seu custo real.

Tudo isto e muito mais foi exigido pela população (em termos genéricos), tendo apenas ficado nestes termos porque, apesar das exigências, ainda existiram algumas mentes que de tempos em tempos se opunham a este desvario coletivo.

É certo, dirão alguns, e eu concordo plenamente, que parte substancial do desvario financeiro a que chegámos não resulta necessariamente das exigências da população por mais e melhores bens e serviços públicos, mas sim da incapacidade, negligência ou algo mais grave na forma como a gestão da coisa pública (incluindo a feitura e negociação de contratos) foi feita pelos nossos governantes.

Mas também é verdade que se tivesse havido da parte da generalidade da população uma exigência maior sobre a real avaliação da necessidade de determinados investimentos públicos muitos dos desvarios existentes nunca se tinham concretizado. O mal foi como se usa dizer juntar a fome com a vontade de comer. A fome estava na vontade que a generalidade da população tinha de usufruir de bens e serviços públicos ao nível dos países mais desenvolvidos, enquanto a vontade de comer estava não só ao nível das empresas que podiam ganhar com a realização de tais investimentos como dos políticos que sonhavam com a sua eternização no poder satisfazendo os desejos da população e dos agentes locais de pressão (mestres na manipulação das reivindicações das populações).

E se consideram que a pressão da população e da sociedade civil não eram suficientes para demover tamanhas atrocidades quanto a decisões de investimento totalmente ilógicas, apresento-vos aqui uma síntese de algumas obras emblemáticas que foram reequacionadas, mesmo antes de atingirmos a situação de quase falência do Estado:
1) construção do TGV prevendo 3 ligações a Espanha (este era o projeto inicial que resultou da pressão exercida pelos autarcas e grupos de pressão do norte do país);
2) nova ponte sob o Tejo (projeto inicial para fazer passar o TGV da margem norte para a margem sul);
3) novo aeroporto na OTA (projeto substituído pelo de Alcochete por representar de forma gritante um custo ambiental e financeiro muito superior à segunda alternativa);
4) 5 submarinos para a marinha (posteriormente substituídos por 3).

E mais não foram simplesmente porque a população nunca considerou a generalidade dos investimentos públicos como um atentado, e um risco que iria sobrar para elas, mas sim como uma legítima e necessária satisfação das necessidades da população.

Veja-se ainda os casos recentes de investimentos privados cujas populações, acicatadas pelos grupos locais de pressão (autarcas, sindicatos e emprersas) reivindicaram que o Estado aligeirasse ou mesmo participasse no risco financeiro do investimento privado, mesmo que para isso não acautelasse os interesses do Estado. Refiro-me ao financiamento do projeto turístico no Alqueva e da RPP Solar, cujos grupos de pressão locais apelaram publicamente para que o Governo e/ou a CGD aligeirassem os procedimentos de salvaguarda dos interesses do Estado.

Melhor fazia a população se exigisse aos políticos e aos grupos de pressão locais que assegurassem na máxima força os procedimentos de salvaguarda dos interesses do Estado, em vez de promoverem e ajudarem aqueles que, explorando a natural apetência das populações para exigir mais e melhores bens e serviços públicos escudam-se nas suas reivindicações para exigir do Estado um aligeirar de regras prudenciais e a participação de dinheiros públicos em projetos de utilidade mais que duvidosa senão mesmo ruinosa.

É pois neste quadro que concluo que a dívida é nossa (povo e empresas) e com ela vamos ter de saber lidar. Não vale a pena atirar culpas exclusivamente aos governantes / políticos, na generalidade das situações fomos nós que exigimos  mais e melhores bens  e serviços públicos sem nos preocuparmos sobre o seu custo desde que os obtivéssemos, e muito raramente nos insurgimos contra decisões de investimento inqualificavelmente inexplicáveis.

Resta-nos a lição para que daqui em diante, quando reivindicarmos algo que nos dá muito jeito, saber se tal é ou não indispensável, e saibamos ouvir também as vozes críticas, pois que em questões de dívida dos Estados não é este que é prestamista de última instância mas sim o povo, através dos impostos que coercivamente tem de pagar.