terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O ILUSIONISTA

Nas últimas semanas consta que um pretenso consultor / economista das Nações Unidas e do Banco Mundial deu uma série de palestras e entrevistas a vários orgãos de comunicação social.

Nessas intervenções, o pretenso consultor proponha um conjunto de medidas inadiáveis, entre as quais a renegociação da dívida.

Como os nossos jornalistas já se esqueçeram das suas obrigações em confirmar se as fontes são fidedignas, antes de dar qualquer notícia, o pretenso consultor teve direito a tempo de antena, e às mais inusitadas atenções dos media.

Passado o tempo das propostas bombásticas foi tempo de se fazer aquilo que se deveria ter feito logo de início. Ou seja, verificar a credibilidade do dito sujeito.

Feitas as primeiras pesquisas logo se concluiu que o dito consultor não passaria senão de um mais que provável impostor, pois as suas credenciais não batiam a bota com a perdigota.

Mais uma vez o nosso jornalismo foi posto à prova e chumbou rotundamente. Na ânsia de dar palpites fáceis para a resolução da crise, dá voz a qualquer um que se apresente com alguma receita milagrosa.

Triste vai um país em que tamanha quantidade de jornalistas e pretensos orgãos de comunicação credenciados dão voz a qualquer um que se apresente como um qualquer druída capaz de ter a poção mágica no seu bolso, ou num qualquer paper universitário, suportado num qualquer power point.

Já o meu filho é craque em power points na escola. Mas não é esse facto que faz dele um especialista em economia, muito menos num estratega credenciado na resolução de crises financeiras soberanas.

É tempo dos orgãos de comunicação social nacionais selecionarem melhor o tipo de comentadores que convidam para os debates sobre a crise financeira / económica. É que com tamanha falta de profissionalismo arriscamo-nos a que as mais cretinas sugestões, de pretensos especialistas, sejam projetadas também em outros orgãos de comunicação social estrangeiros, com repercusões necessariamente negativas para Portugal.

É que, infelizmente, as sugestões do tal pretenso consultor foram mesmo reportadas por orgãos de comunicação internacionais. E uma tal ignomínia em vez de auxiliar a imagem de Portugal só ajuda a afundar mais a sua credibilidade.

Haja bom senso e um pouco mais de profissionalismo....

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

PRIVATIZAÇÃO DA TAP

Após se ter conhecido o desenlace do processo de privatização da TAP, os sindicatos manifestaram o seu contentamento. Mas será que aos trabalhadores da TAP interessa mais uma TAP pública que privada ?

Sabe-se que a TAP tem um elevado endividamento e um desiquilíbrio operacional, que compromete a sua estabilidade financeira. Para além disso, a empresa necessita de equacionar novos investimentos para expandir as suas operações e, desse modo, almejar perspetivar equilíbro e estabilidade financeira.

Só que para tal a TAP necessita de injeções de dinheiro como do pão para a boca. Ora como o acionista Estado está impossibilitado de o fazer, devido aos constrangimentos da legislação europeia, então só resta à TAP equacionar a redução de custos para aliviar as suas despesas.

E  para a redução de custos é imperioso equacionar a redução de salários ou mesmo o despedimento de trabalhadores (já que não é possível poupar no combustível dos aviões). E como não se perspetiva que a empresa possa no curto prazo ser privatizada, não restará ao  acionsita enveredar por uma estratégia de contenção de custos.

Mais uma vez, os sindicatos alérgicos à iniciativa privada, deveriam ponderar antes de celebrar algo que não deve ser celebrado. Ou seja, se para a privatização da TAP apenas apareceu  um candidato é de desconfiar das qualidades intrínsecas da noiva (TAP). Ou esta não tem potencial ou está gorda demais para interessar potenciais pretendentes.....

Na Europa, a generalidade das empresas de aviação são já privadas. Querer que a TAP permaneça pública é apenas rabujice de quem não sabe as consequências adversas que tal situação pode provocar à empresa e aos seus trabalhadores.


domingo, 2 de dezembro de 2012

QUE PERDÃO DE JUROS ?

Muito se tem falado na eventual renegociação da dívida portuguesa e, eventualmente, do perdão de parte dela. Já por diversas vezes tive oportunidade de expressar a minha opinião quanto à dificuldade de alterar o satus quo. Leia-se perdão do montante da dívida e juros a pagar.

Contudo, existe uma hipótese, pelo menos académica, de haver um perdão de parte dos juros, sem que nenhuma das partes perca a face ou fique a perder em termos económicos.

Passo a explicar.

Aquando do início da crise, os mercados secundários penalisaram, substancialmente, as díviudas soberanas, exigindo um elevado prémio de risco, o qual determinou, imediatamente, a subida do yield (taxa de juro implícita) nas títulos de dívida dos países mais afetados, no mercado secundário de dívida (mercados onde se transacionam os títulos depois da sua emissão primária).

Em termos financeiros, quando o yield de um título de rendimento fixo sobe, isso significa que o valor patrimonial de mercado, desse mesmo título, desce. Isto acontece por que o montante de juro a pagar mantém-se inalterado, e o valor intríseco do título deve baixar para proporcionar um maior rendimento a quem está disponível a investir nesse título.

Tomemos o seguinte exemplo. Um título emitido com valor facial de € 1.000,  a uma taxa de juro de 3%, confere um rendimento anual de € 30. Ora se os investidores penalisam, em termos de risco, esse título, e só estão dispostos a investir se o seu rendimento esperado passar a ser de, por exemplo 17%, então o título passa a ser transacionado, no mercado secundário a € 176 (em vez dos iniciais € 1.000).

Foi exatamente isto que aconteceu aos títulos do países sob ataque, no auge da crise. Assim, os títulos do tesouro português, se tivessem sido emitidos a € 1.000, a uma taxa de juro de 3%, com o pico do yield a atingir os 17%, em fevereiro de 2012, estariam a ser transacionados, no mercado secundário, a € 176.

Por volta daquela data, o Banco Central Europeu fez aquisição de somas elevadas de títulos soberanos,com o intuito de não os permitir desvalorizar mais. Contudo, ao adquiri-los, ficou com títulos em carteira que hoje, ao preço de mercado, valem substancialemnte mais.

Ou seja, como Yield desses títulos está em redor dos 7%, significa que esses mesmos títulos estão agora a ser transacionados a um valor em volta dos € 429. Ou seja, quem adquiriu títulos do tesouro português, em fevereiro de 2012é e agora os queira vender, obtem uma mais valia potencial de 143%.

Nada mau para um investimento em menos de 1 ano.

Ora é precisamente esta margem que, no meu entendimento, é passível de ser perdoada pelo BCE. Ou seja, o BCE não é um banco de investimento, nem muito menos um banco especulativo.

Então, a parcela de stock de dívida em que possa a estar a obter ganhos económicos, ou seja um rendimento acima dos juros cobrados a Portugal, no âmbito do programa de estabilização negociado, poderia haver um perdão de juros. E só nessa medida.

Mas será que esse perdão pode ser significativo? Tudo depende do stock de dívida que tenha sido adquirida pelo BCE, aquando da tentativa de acalmar o mercado secundário de dívida.

Quanto maior tenha sido essa aquisição, maior potencial de ganho resultaria para o BCE, e, por esse motivo, maior perdão de juros poderiam os portugueses aspirar.

Ou seja, o BCE contentar-se-ia em receber juros correspondentes a uma taxa equivalente àquela que resulta do empréstimo a Portugal, no âmbito do programa de estabilização em curso. Assim, em vez de € 30 por cada € 1.000 de valor facial de títulos adquiridos pelo BCE, no mercado secundário, receberia apenas € 5,28, que correspondem a 3% de € 176 (valor de compra dos títulos em mercado secundário, à data de fevereiro de 2012).

Mas permitir que se faça isso é novamente um exercício que depende da interpretação dos tratados europeus. Certo é que em termos meramente económicos, o BCE não perderia (embora perdesse em termos financeiros) e Portugal, bem como os restantes países agradeceriam.

REPORTAGEM NEW YORK TIMES

Esta semana, o New York Times publicou uma foto reportagem sobre Portugal, evidenciando famílias pobres de imigrantes a viver em Portugal, mais precisamente na Amadora. Para além disso, mostrava pedintes sem casa, a dormir nas ruas de Lisboa.

Vários comentadores elogiaram a dita reportagem, por, supostamente, saber realçar as debilidades em que o País se encontra.

Mas será que o New York Times fez algo de tão relevante em termos jornalísticos ?

Precisamente na mesma semana em que aquele jornal norte americano fez a reportagem sobre Portugal, editava e publicava uma reportagem sobre o acto heróico de um polícia nova iorquino, que ao interagir com um mendigo, a descansar na soleira de uma porta, e, estando descalço, com temperaturas negativas, motivou o dito agente da autoridade a adquirir-lhe umas meias e botas para o aquecer.

Ora, é no mínimo confragedor, ver alguma imprensa nacional a elogiar a reportagem sobre Portugal, quando o mesmo jornal, e sobre um tema não menos chocante, apenas releva a dita atitude heróica do polícia, não enfatizando a desgraça que também impera sobre cidadãos norte americanos. Basta recordar os milhares de cidadãos americanos que ficaram sem casa, na sequência da crise do imobiliário, e que dormiam, e ainda dormem, em jardins públicos de algumas cidades daquele país.

O provincianismo dos nossos jornalistas em nada fica a dever ao provincianismo daqueles consumidores que adquirem apenas produtos importados, por que se é importado é melhor do que o nacional.

Infelizmente, concluímos, que também sobre o tema da desgraça, a desgraça dos outros é melhor que a nossa (leia-se menos desgraçada), quando são os estrangeiros a comentá-la.

Aliás se a reportagem sobre Portugal peca, é que a situação reportada não é de agora. Há muito que existiem mendigos nas ruas, pessoas sem casa a dormirem na rua, e bairros de lata na Amadora (aliás agora muito menos do que houve há anos atrás).

O anedótico da situação, para não dizer o triste da situação, é que no caso americano o que importou foi realçar o ato heróico do polícia, no caso português apenas o lado dramático das pessoas.

De um jornal que se pretende independente, espera-se, no mínimo, um tratamento idêntico para situações idênticas.

sábado, 24 de novembro de 2012

FUNDOS COMUNITÁRIOS

Está em curso as negociações para o orçamento da União Europeia, o qual terá implicações diretas nas transferências financeiras para Portugal, a título de fundos comunitários de ajuda.

Desde a nossa adesão à CE que Portugal beneficia de fundos comunitários, os quais são depois aplicados internamente, com uma comparticipação nacional, em investimentos públicos e privados.

Contudo, apesar da massiva ajuda financeira da UE, a qual ascendeu a vários milhares de milhões de euros, Portugal não foi capaz de manter orçamentos equilibrados.

Serve isto para dizer que uma tal situação nos deve fazer pensar da vantagem ou não em receber os tão desejados fundos comunitários. Acontece que os fundos recebidos implicaram sempre, para a sua aplicação, de um contributo nacional. Mas uma tal premissa muitas das vezes levou-nos a fazer investimentos apenas porque tais fundos existiam e não necessariamente resultante de uma necessidade imperiosa de os realizar.

Tal situação determinou, muitas das vezes, dispêndio de recursos financeiros nacionais, o que ajudou ao desiquilíbrio orçamental, sem o correspondente benefício real para a economia.

Agora, e mais uma vez, muitos dos partidos políticos exacerbam a sua crítica no sentido de dizer que o governo deve lutar por obter o maior volume de fundos disponíveis para Portugal. Perante o nosso histórico, melhor seria preocupar-nos em obter uma exigência de menor contribuição nacional, e uma preocupação ainda maior com o destino e pressupostos para a sua aplicação e distribuição a nível nacional.

Investir em pavilhões multiusos, só por que cada uma das autarquias do país quer mostrar obra feita, não é certamente o melhor destino a dar a esses fundos.

Recordo-me que em tempos (final da década de 90), participei numa análise à eficácia desses mesmos pavilhões multiusos, resultantes de investimento com fundos comunitários e verbas do orçamento do estado português, e a conclusão a que se chegou na altura é que a sua utilização mais comum (nas autarquias fora dos distritos de Lisboa e Porto) era para a realização de festas de casamento e outros eventos municipais ou particulares.

Ou seja, tais investimentos em nada ajudaram ao crescimento da competitividade nacional.

É pois imperioso que os partidos políticos portugueses, e mais especialmente o governo português reflitam bem sobre qual a melhor utilização a dar a tais fundos, por forma a que de forma o mais sustentada possível, tais investimentos permitam criar vantagens competitivas para a economia nacional e potenciem a nossa competitividade internacional.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

E DEPOIS DA GREVE GERAL ?

Depois da exaltação arrefecer, a poeira assentar, as feridas tapadas, e uma noite bem dormida, nada melhor que regressar à realidade.

Quem tem trabalho, trabalha.
Quem está desempregado, procura emprego.
Quem não tem ocupação, entretem-se a falar de banalidades.
Quem é estudante, estuda.

Grande resolução dos problemas nacionais ficou ontem estabelecida.
Ficámos mais ricos, criámos emprego, o salário mínimo foi aumentado, enfim melhorámos a nossa imagem internacional e estabelecemos novas pontes para o futuro risonho, cheio de felicidade, harmonia e prosperidade.

Quão ilusória é a política fácil.
Destruir é fácil. Construir, leva anos, décadas, séculos.

Um povo que dispende tanta energia a partir lojas, a tirar as pedras da calçada, a gritar e vociferar, mais valia investir na sua educação, formação e acima de tudo na procura de soluções próprias.

Nos países mais desenvolvidos, a energia pessoal e a dinâmica das pessoas são o combustível que move as economias. Esperar que seja o Estado a resolver os nossos problemas só em estados estatizados como na antiga União Soviética, e, por isso, não passou de um regime letárgico, com racionamento dos bens alimentares e um nível de vida medíocre.


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

ARRUACEIROS

Os distúrbios junto da AR no fim do dia marcado para a greve geral, nada tem a ver com o mundo sindical. Isso é um facto.

Mas, infelizmente, no estrangeiro, as imagens que circulam pelos noticiários das televisões europeias, é que o movimento sindical nacional pouco tem de civilizado.

Mas o que moverá algumas centenas de arruaceiros, que se armam em representantes da população de um país, para agir de forma desordeira, atentatória da boa imagem do país e das suas instituições (incluindo os próprios sindicatos) ?

Uma coisa é certa, sempre existiu e existirá indivíduos que movidos por uma vontade própria (de revolta ou outra coisa qualquer) que para manifestar o seu desagrado, entende que o deve fazer no pressuposto egocêntrico de que é dono da razão, e, portanto, é o aglutinador e representante (ainda que não legitimado para isso) de todos aqueles que julga representar.

E para isso, entendem "contestatar" da forma mais visível e atentatória da ordem normal das coisas.

Infelizmente, tais actos em vez de ajudarem a resolver a situação do país só dificultam a resolução dos nossos problemas.

É tempo de a população, esteja contra ou a favor do governo e das suas políticas, que não se deixe enredar por tão falsos argumentos para participar em protestos que apenas visam a promoção da anarquia.

GREVE GERAL

Será que a greve geral agendada para 14 de novembro de 2012 é um investimento, tal como afirmou o secretário geral da CGTP, Arménio Carlos.

As palavras de ordem desta greve geral são "não à troyka", "não à austeridade", "não a este governo".

Mas será que está na disponibilidade de uma qualquer central sindical reivindicar ou melhor promover uma tal reivindicação ?

A troyka foi chamada pelo governo em exercício àquela data, no âmbito das suas funções, competências e capacidades. Segundo a Constituição cabe ao governo a condução da política económica e externa do país. Não consta que tais atribuições sejam função dos sindicatos.

Quanto à austeridade, ela é decorrente da política económica definida pelos governos, consubstanciada na aprovação dos orçamentos aprovados pela assembleia da república, a qual resulta do voto popular. Também aqui, não se vislumbra na Constituição qualquer destas atribuições reconhecidas aos sindicatos.

Finalmente, a punição do governo com a sua substituição. A formação dos governos resulta do convite do Presidente da República ao partido vencedor para formar governo, o qual, propõe um nome, em geral o seu presidente ou secretário geral, para ser indigitado primeiro ministro e formar governo. Esse governo, uma vez constituído, formulará o seu programa, o qual será colocado a votação na assembleia da república, pelos deputados eleitos e representates do eleitorado. Também aqui, a Constitução não reconhece qualquer papel aos sindicatos.

Então qual o investimento que o secretário geral da CGTP quererá subentender. Não vislumbro outro que não seja a sua consagração como Presidente daquela central sindical. É verdade que os líderes recem eleitos, carecem fortemente de cerrar fileiras em torno da sua personalidade para se afirmarem como líderes aglutinadores.

Pobres estão e mais ficarão os trabalhadores que não compreendem que a sua vinculação à greve geral nada fará mudar nas suas carências e ambições. Se algum efeito terá é que menos receitas proporcionarão ao Estado e mais serão solicitados a contribuir para reduzir o défice do mesmo amanhã. Assim, pagam de duas formas, não recebem o ordenado do dia da greve e terão que contribuir no futuro com mais impostos pelas receitas não obtidas por via dos impostos.

Mais uma vez a população não vê que os actos de hoje se transformam nos impostos de amanhã.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

PROPOSTA DO PS É RENEGOCIAR OS JUROS

É curioso como alguns políticos, de discurso fácil, arranjam logo como solução para o país, medidas a tomar por entidades externas, ou seja, reduzir juros dos empréstimos da Troyka ou obter mais tempo para o reequilíbrio orçamental.

Quer isto dizer que não têm soluções internas para resolver o problema do défice e da dívida excessiva. A solução seria ir buscar lá fora a solução.

Mas mesmo essa solução é uma falácia. Senão vejamos.

O jornal francês La Tribune, publicava no seu site, em 26 de outubro de 2012, um artigo sobre qual o custo que os países, sob ajuda externa, estão a suportar nos empréstimos disponibilizados pela UE. Esse custo, de acordo com dados da UE situavam-se para Portugal e Irlanda pouco acima dos 3%.

Será esta taxa elevada ? Claro que do ponto de vista do devedor, qualquer taxa acima dos 0% é elevada. Para sermos honestos, devemos comparar esta taxa com o rendimento (yield) que as obrigações do tesouro português proporcionavam, no mercado secundário, antes da crise.

Entre 2006 e 2012 as taxas de rendimento das obrigações portuguesas a 10 anos, estiveram sempre acima dos 4%. Para obtermos taxas mais baixas que esta, teremos que ir ao ano de 2005, mas mesmo aí as taxas estiveram sempre acima de 3%.

Ou seja, aqueles que procuram soluções para Portugal com base em medidas tomadas por outros, que não portugueses, não fazem mais do que evidenciar a sua incompetência para propor soluções internas, com base na capacidade e disponibilidade dos portugueses, para além de revelarem um gritante desconhecimento sobre aquilo de que falam.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

PERDÃO DE DÍVIDA E JUROS

É curioso ouvir falar alguns políticos da esquerda sugerir que a solução está no não pagamento de juros ou de parte da dívida.

Será que não fazem contas ?

Em 2010, os juros da dívida pública foram de 4,9 mil milhões de euros, e o défice ascendeu a 16,9 mil milhões de euros. Ou seja, mesmo não pagando um cêntimo de juros ainda era necessário pedir emprestado 12,9 mil milhões de euros. Não sei é a quem íamos pedir emprestado, depois de negarmos pagar juros a quem, em anos anteriores, nos emprestou dinheiro.

Em 2011, os juros da dívida pública ascenderam a 6,9 mil milhões de euros, e o défice foi de 7,5 mil milhões de euros. Ou seja, ainda assim precisaríamos de pedir emprestado 0,6 mil milhões de euros.

Isto para não falar de reembolsar os empréstimos anteriores que entretanto se venceram, em cada um daqueles anos.

Mais uma vez se verifica que fazer política barata é fácil. Bastava saber aritmética básica para concluir que tão expedita solução dos problemas não passa de falácias supostamente baratas (digo supostamente, por que na verdade, caso fossem implementadas, sairiam bem mais caras ao povo português).

Tentar obter perdão de juros ou de dívida, antes de equilibrar as contas, é pura demagogia. Só podemos aspirar a algum perdão depois de demonstrarmos que as contas estão equilibradas.

Sejamos honestos. Há alguém, no seu perfeito juízo, que esteja disponível para nos perdoar juros ou dívida, para no dia seguinte nos voltar a emprestar dinheiro ?

domingo, 4 de novembro de 2012

É FÁCIL REDUZIR A DESPESA

A proliferação de comentadores políticos e económicos nas televisões nacionais tem dado a ideia que as reformas são fáceis de desenhar e mais fáceis de implementar. Senão vejamos. Alguns comentadores dizem que a redução da despesa do estado devia ser feita através da redução do setor local do estado (leia-se autarquias), da redução dos subsídios, das pensões milionárias, do número de  funcionários públicos, das despesas com a defesa, etc, etc....

Pois bem, quando o governo apresenta a intenção de reduzir as freguesias e as autarquias, logo aparecem manifestações contra a medida, multiplicam-se as entrevistas nos meios de comunicação por parte de autarcas a vociferar contra tão ignóbil medida, sustentando que o poder local é o santo graal da democracia e da satisfação das necessidades das populações.

Quando o governo começa a elaborar um conjunto de medidas para racionalizar as despesas na defesa, logo aparecm uns senhores generais, com ar indignado, a dizer que os militares têm salários penhorados e é perigoso manter militares armados e com dívidas.

Quando o governo tenta racionalizar o número de professores na educação, logo aparecem os habituais sindicalistas, ciosos na defesa dos professores, a dizer que a educação devia ser a paixão de todo um povo e, portanto, também o devia ser do governo, mesmo que tal não seja sinónimo de melhor educação.

Quando o governo revela a intenção de estudar todas as alternativas para repensar o serviço público de TV, logo aparecem os pseudo intelectuais a afirmar que a TV, tal como está, é a única alternativa viável para salvaguardar a identidade de um povo, mesmo que isso implique subtrair cerca de 300 milhões de euros de impostos aos portugueses para financiar o défice da empresa.

Quando o governo implementa uma nova medida no sentido de restringir o horizonte temporal de atribuição do subsídio de desemprego, logo aparece o líder de uma qualquer central sindical a dizer que o subsídio é uma garantia de sobrevivência e que não há emprego, embora se continue a assistir a milhares de empregos atribuídos a cidadãos imigrados em Portugal.

Quando o governo propõe, para o orçamento de estado de 2012, agravar os impostos para os rendimentos do último escalão do IRS, com sobre taxas de impostos, para assegurar uma maior equidade fiscal, logo aparecem uns senhores professores e comentaristas de fato e gravata a dizer que em Portugal se tributa rendimentos acima de 80.000 euros como se fossem milionários (tem piada que para a minha empregada rendimentos acima de 30.000 euros anuais é ser milionário - nada como a relatividade dos conceitos).

Como se vê, é fácil reduzir a despesa em Portugal, todos estamos de acordo desde que seja feito na casa do lado. Tributar a minha é sempre uma infâmia, uma desonestidade intelectual ou uma afronta à equidade.

Já me esquecia dos juizes. Ouvir o presidente da associação sindical dos juizes, em audição na comissão parlamentar da assembleia da república, dizer que o atual nível de tributação do rendimento dos juizes compromete a independência da classe é quase surreal, não fosse esta classe em Portugal estar constamente na televisão a fazer comentários sobre tudo o que se possa comentar. Admitir que uma tal afirmação é uma chantagem ao poder político é pura fantasia. Nem sequer me passa isso pela cabeça.

Enfim. Somos todos uns puros.

HÁ ALTERNATIVAS

Os principais opositores da política económica seguida atualmente pelo governo português falam insistentemente em alternativas à política atual.

Afirmam continuamente que a política de impostos, redução de despesa, redução de investimento público, entre outras medidas, tem como única consequência a contração da economia e, por conseguinte o aumento do défice.

Em contrapartida à política atual, sugerem aumento dos salários, maior despesa pública para fomentar o crescimento da economia, redução dos impostos para promover o consumo, aumento do período de subsídio de desemprego, aumento do ordenado mínimo, entre outras medidas.

Portugal, desde há décadas promoveu exatamente este tipo de medidas alternativas. Senão vejamos: o estado promoveu aumento do investimento público através da realização de várias obras públicas, cujos ex libris maiores são as auto estradas; aumentou o ordenado mínimo; promoveu o aumento do horizonte temporal do subsídio de desemprego bem como facilitou o consumo privado atratés do endividamento privado.

Mas qual foi o resultado dessas políticas ? A constante manutenção de défices do estado e o crescente endividamento do estado (a dívida pública passou de 61,8 mil milhões de euros em 2000 para 184,7 mil milhões de euros em 2011 - ou seja, triplicou numa década).

Tal política foi possível por que Portugal conseguia endividar-se no exterior para suportar os défices que teimosamente mantinha anualmente, nas contas do estado.

Mas tal deixou de ser possível quando os financiadores externos deixaram de acreditar que Portugal algum dia pudesse honrar as suas dívidas, caso mantivesse o satus quo.

Desde o final da legislatura anterior, mas de forma mais assertiva na nova legislatura, os governos têm tomado medidas no sentido de controlar a despesa pública e a redução do défice.

Tentar fazer crer à opinião pública que defender políticas do "não pagamos", "queremos juros à taxa zero", "não precisamos da troika", "o défice público é virtuoso", "não precisamos dos financiadores internacionais" é simplesmente negar a evidência.

Em 2009 Portugal teve um défice de 17,1 mil milhões de euros e de 16,9 mil milhões de euros em 2010. Ou seja, foi exatamente este o montante que tivemos de pedir aos financiadores internacionais, naqueles anos, para suportar as despesas do estado (ou seja, para pagar salários, subsídios de desemprego, pensões, etc.), isto para não falar do montante que pedimos emprestado para, simplesmente, reembolsar empréstimos que se venciam em cada uma daqueles anos.

Ou seja, no dia em que assumirmos, literalmente, a política do não pagamos, devem os portugueses ficar bem conscientes que o ajustamento do défice passa a ser imediato, não por causa de uma qualquer opção política, mas apenas por que o estado deixa de ter dinheiro para satisfazer as suas obrigações sociais.

Um estado que não tem dinheiro para suprir as suas necessidades tem duas opções: ou simplesmente não paga o que deve (incluindo não só os juros mas também salários); ou tenta reduzir a sua despesa a níveis comportáveis, tentando assegurar a renovação de empréstimos por forma a não cancelar totalmente com as suas obrigações (nomeadamente as sociais).

Afirmar que a atual política não tem conduzido a lado algum é negar a evidência de redução do défice do estado de 16,9 mil milhões de euros em 2010 para 7,5 mil milhões em 2011, ou seja, as necessidades financeiras do estado reduziram-se em 9,4 mil milhões de euros.

Mesmo que em 2010 não tivessemos pago os juros (ou seja 4,9 mil milhões de euros), ainda assim teríamos um défice de 12 mil milhões de euros que teríamos de ir buscar a algum lado (não sei qual se nos negássemos a pagar aos credores internacionais). Já em 2011 caso recussássemos pagar os juros (ou seja 6,8 mil milhões de euros) ainda assim teríamos tido um défice de 0,7 mil milhões de euros.

Ou seja, antes de propormos medidas tão radicais como irracionais é bom estarmos conscientes das consequências, certamente mais gravosas das que estamos a sofrer.

domingo, 21 de outubro de 2012

CONTROLO DO DÉFICE

As medidas tomadas pelo estado português, para controlo do défice público, têm sido criticadas por determinarem uma excessiva contração da economia nacional e, desse modo, impedirem o tão desejado crescimento económico.

Se é certo, que quaisquer medidas que se destinem a controlar o défice público são necessariamente contracionistas, do ponto de vista da economia, importa refletir sobre a sua valia e utilidade.

No seu conceito mais básico, a conta do estado resulta de uma subtração entre receitas e despesas. As receitas, são na sua quase totalidade, os impostos cobrados aos cidadãos e às empresas, e as despesas são os gastos do estado nas suas funções públicas entre as quais, educação, saúde, autarquias, justiça, segurança interna, defesa e administração.

Sendo o estado o maior agente individual da economia, qualquer contração dos seus gastos (redução de despesa) ou aumento da apropriação da riqueza criada pelos demais agentes (cobrança de impostos) vai necessariamente ter um efeito recessivo na economia nacional.

Ora então qual é a necessidade imperiosa e virtude de se controlar o défice do estado. É imperativamente necessário porque, sendo o estado deficitário (as despesas são superiores às receitas) tem de pedir emprestado para suportar o seu nível de despesa. E como em Portugal não há suficiente poupança, o estado tem que pedir emprestado nos mercados internacionais.

Mas esses empréstimos têm um custo, os juros. E esses juros são reflexo da confiança que os credores depositam na nossa capacidade de reembolsar esses empréstimos. Como Portugal em décadas sucessivas, nunca apresentou um saldo orçamental positivo (receitas superiores às despesas) e ainda mais grave, tem crescimentos da economia deveras deplorável, a expetativa de vir a gerar excedentes orçamentais, capazes de garantir o reembolso dos empréstimos, tornaram-se, aos olhos dos nossos credores, insustentavelmente duvidosos.

Em contrapartida dessa dúvida legítima dos nossos credores, estes começaram a exigir taxas de juros superiores ou mesmo nem sequer se mostraram disponíveis para nos emprestar dinheiro. Daí, termos tido necessidade de pedir apoio ao BCE+CE+FMI. Estes financiadores de última instância impuseram condições, ou seja, o equilíbrio tão rápido quanto possível do saldo orçamental (equilíbrio entre as receitas e despesas do estado).

Ora o equilíbrio das contas do estado, embora mais lento do que o desejável (embora muitos digam que devia ser mais lento), tem sido feito, nomeadamente se considerarmos apenas a despesa primária (ou seja, sem efeito dos juros).

Esse equilíbro vai ter dois efeitos imediatos nas contas do estado. Um, a redução das necessidades de empréstimos por parte do estado, outro, a redução das taxas de juro a que os credores internacionais estão dispostos a cobrar a Portugal.

A redução dos juros é mais facilmente apreendido com a visualização da evolução das taxas de juro dos títulos de dívida soberana do estado português a 10 anos, cotados em bolsa, os quais chegaram a um máximo de 17,39% em 24 de janeiro de 2012 e estão em 7,7% em 19 de outubro de 2012.
Ora esta descida significativa das taxas de juro da dívida portuguesa, no mercado secundário, abre boas perspetivas para que Portugal, mais cedo do que tarde, tenha condições de se financiar no mercado.
 
Nessa hipótese, Portugal deixa de estar dependente da Troika, pelo menos formalmente. Mas não quer isto dizer que desde essa data Portugal possa entrar novamente no desvario que já conhecemos. Terá de manter estrito controlo da despesa do Estado. mas pelo menos não terá de submeter os orçamentos à vistoria prévia da Troika. Parece pouco, mas na situação em que estamos é um passo de gigante.
 
Alguns críticos desta estratégia podem dizer que a Espanha tem tido uma atitude mais firme na defesa de uma tese diferente de combate ao défice, frente à Comissão Europeia, ao BCE e a Merkel. É verdade que a Espanha, e mais especialmente o seu governo, têm evidenciado uma postura mais agressiva na defesa de uma diferente tese para abordar a crise.
 
Mas será que tem obtido sucesso ? Vejamos. O ataque à dívida soberana espanhola começou 1 ano após o ataque à dívida soberana Portuguesa e 2 anos após o ataque à dívida soberana Grega.
 
Ora a Grécia seguiu postura idêntica à espanhola. Ou seja, rejeitar ou ressistir a todo o custo à implementação das medidas de correção do défice público. Dois anos passados, a posição política e económica grega está substancialmente pior que a Portuguesa, não logrando obter qualquer ganho da sua tese, antes pelo contrário. A dívida pública grega continua a ser negociada no mercado secundário com um prémio de risco estratosférico.
 
Quanto à Espanha, com um peso da dívida e défice público face ao PIB substancialmente menor que a grega e mesmo que a portuguesa, qual tem sido a evolução do prémio de risco da sua dívida soberana ?
 
Há 1 ano atrás (outubro de 2011), o prémio de risco, da dívida soberana portuguesa  a 10 anos era de 1.097,9 pontos base (ou seja, 10,979 pontos percentuais acima da ataxa de juro da dívida sobreana americana), sendo em 19 outubro de 2012 de 571,7 pontos base (ou seja menos 48%).
 
Em contrapartida, o prémio de risco da dívida soberana espanhola, na mesma data (outubro de 2011), e para a mesma maturidade, era de 323,1 pontos base, sendo de 351,3 pontos base em 19 de outubro de 2012. Ou seja, agravou-se em 9%.
 
Em conclusão, Portugal partindo de uma situação substancialmente pior que a espanhola (em termos de peso da dívida e do défice face ao PIB), um ano depois, apresenta uma melhoria substancial da perceção do risco da sua dívida soberana por parte dos financiadores internacionais.
 
Por outro lado, a Espanha viu piorada a perceção de risco que os financiadores internacionais fazem da sua dívida soberana (a qual agravou-se em 8%), para além de, embora com atraso, tenha vindo a implementar a mesma receita que o governo português tem implementado.
 
Serve isto para dizer que, apesar da correção do défice estrutural do estado Português estar a ser feito com grandes sacrifícios da população portuguesa, essa receita não foi definitivamente afastada pelos outros países em situação semelhante (tem sido implementada mas de forma atrasada e com reprimendas constantes por parte do BCE e CE), como se tem revelado mais vantajosa para Portugal (quando comparado com a Grécia e a Espanha), por que permite perspetivar a médio prazo (1 ou 2 anos no máximo) o recurso direto aos mercados.

 






sábado, 13 de outubro de 2012

FARTOS DE PAGAR IMPOSTOS

Os portugueses estão fartos de pagar impostos. Dizem que estão a ser roubados.

Estão fartos de pagar impostos mas querem auto estradas gratuitas.
Estão fartos de pagar impostos mas querem serviços de saúde gratuitos.
Estão fartos de pagar impostos mas querem educação gratuita para os seus filhos.
Estão fartos de pagar impostos mas querem que a cultura seja subsidiada pelo estado.
Estão fartos de pagar impostos mas querem estádios de futebol para para o Euro.
Estão fartos de pagar impostos mas querem mais transferências para as autarquias.
Estão fartos de pagar impostos mas querem justiça gratuita.
Estão fartos de pagar impostos mas querem mais polícias na rua.
Estão fartos de pagar impostos mas querem que a agricultura seja subsidiada.
Estão fartos de pagar impostos mas querem transportes públicos subsidiados.
Estão fartos de pagar impostos mas querem uma nova cidade para as seleções de futebol.
Estão fartos de pagar impostos mas querem mais subsídios para os atletas olímpicos.
Estão fartos de pagar impostos mas querem mais subsídios para os bombeiros da terra.
Estão fartos de pagar impostos mas querem mais autarquias e freguesias.
Estão fartos de pagar impostos mas querem mais serviços públicos no seu bairrro.
Estão fartos de pagar impostos mas querem o nível de emprego público inalterado ou maior.
Estão fartos de pagar impostos mas querem subsídios de desemprego maiores.
Estão fartos de pagar impostos mas querem rendimento social de inserção maior e mais abrangente.
Estão fartos de pagar impostos mas querem televisão pública subsidiada pelo estado.
Estão fartos de pagar impostos mas querem manter a TAP subsidiada e em mãos do estado.
Estão fartos de pagar impostos mas querem serviço público de água subsidiado.
Estão fartos de pagar impostos mas querem ..............tudo gratuito

Ou este povo está desenquadrado da realidade ou descobriu a solução para uma equação impossível.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

ESFORÇO DEMASIADO GRANDE....

No âmbito da pré discussão das novas medidas a implementar para o orçamento de estado de 2013, tem-se assistido a vários comentários de políticos, analistas e jornalistas sobre a brutalidade do esforço exigido aos portugueses.

Suportam parte desses comentários no facto de algumas instituições internacionais, nomeadamente o FMI, terem afirmado que a redução do défice não pode ser o instrumento privilegiado, mas sim o crescimento.

Se uma tal afirmação, abstratamente falando, não merece qualquer crítica, falta contudo esclarecer como se coloca os países intervencionados a crescer, e se um tal diserato deve ser feito independentemente do esforço de redução do défice.

Isto porque, os países intervencionados carecem de vários milhares de milhões de euros anuais, emprestados ou doados, para colmatar os elevados défices orçamentais. Ora se esses milhares de milhões de euros não podem ser supridos pelos mercados (devido às elevadas taxas de juro subjacentes) então só podem ser supridos com as ajudas externas. Mas se as ajudas externas só podem ser prestadas pelo BCE, FMI e CE , e estes condicionam a disponibilização dos empréstimos à redução do défice, então não vejo como se desenrola esta pescadinha de rabo na boca.

Por outro lado fala-se que os ricos é que devem pagar a crise. Mas em Portugal os ditos ricos não ultrapassam as 3.000 famílias (que têm rendimentos anuais acima dos 250.000 €).

Ora, admitindo-se que estas 3.000 famílias tenham um rendimento médio de 1.000.000 € anuais, e, aplicando uma taxa de imposto de 100% a todo esse rendimento (afastando a regra de aplicação das taxas marginais de IRS aos vários escalões), ainda assim, só se conseguiria obter uma receita total de 3.000 milhões de euros ano. Ficando muito aquém dos 6.000 milhões necessários para reduzir o défice previsto para 2013 (falei em reduzir não em eliminar).

Ora, uma tal receita, nunca poderia ser obtida, por que uma taxa de 100% implicava que não havia sequer incentivo, por parte dessas famílias, em obter um tal rendimento e, portanto, prescindiriam de o obter, anulando assim a possibilidade de serem tributadas. Ou seja, quando se fala em taxas de tributação maiores para os rendimentos  maiores, deve ter-se em conta da eficácia decrescente de tal medida, não devendo ultrapassar o limite a partir do qual as pessoas preferem não terem rendimento adicional se o ganho marginal líquido não lhes satisfazer. Quando esse extremo é atingido, a receita fiscal global desce por cada ponto percentual adicional que se incremente na taxa marginal de imposto.

A propósito disto, é admissível considerar que um tal limite se não chegou, estará muito perto de ser atingido. Quanto maior for a taxa marginal de imposto sobre rendimentos, maior será o incentivo por parte dos ricos a anular rendimentos actuais passando-os para rendimentos futuros, de forma a não serem tributados "hoje".

Por outro lado, fala-se das rendas excessivas das PPP e do sector energético, e que o Estado é ágil a retirar salários aos trabalhadores e lento a reduzir rendas económicas às empresas. É verdade que existe rendas económicas excessivas, quando comparadas com o mercado, para situações de quase ausência de risco empresarial. Mas é que enquanto a redução do salário refere-se a prestações futuras do fator trabalho (ou seja o detentor do fator trabalho pode sempre dizer que não está disposto a prestar trabalho por aquele valor), no caso das rendas económicas, a decisão de investimento foi já concretizada no passado, tendo por base o valor de renda prometido. Ou seja, no caso das PPP, o agente económico já tomou a decisão de investimento,  não podendo voltar atrás. Em contrapartida,  o detentor do fator trabalho ainda não efetuou a sua contraprestação, ou seja, tem a opção de não efetuar a sua contraprestação pelo valor reduzido que lhe propõem.

Dirão, e com razão, que na prática, caso o detentor do fator trabalho (leia-se trabalhador) assuma a opção de recusar a contraprestação, isso implica assumir que prefere estar desempregado que a trabalhar. É verdade, mas é exatamente isso que se passa com os desempregados que quando têm uma oferta de trabalho que consideram financeiramente desvantajosa a recusam (preferem não trabalhar a assumir um rendimento tão baixo).

Ou seja, embora concordando com a firmação de que as PPP e as elétricas usufruem de rendas económicas (rentabilidades acima do mercado), a sua redução é juridicamente mais dificil e juridicamente menos suportável, porque a sua contraprestação já foi realizada (não tendo por isso opção de voltar atrás na decisão de investir) enquanto na contraprestação do trabalho o seu detentor ainda pode decidir não a prestar (embora em seguida sofra a consequência da sua decisão). Se quiséssemos fazer a analogia com os detentores do fator trabalho, seria o mesmo que o Estado viesse dizer hoje, que a prestação de trabalho efetuada pelos trabalhadores nos últimos cinco anos, seria tributada a uma taxa superior à que realmente foi tributada (ou seja, depois de a contraprestação efetuada, alterava-se a tributação, não deixando qualquer opção de não aceitação de um tal contrato aos detentores do fator trabalho).

É por isso que, embora a situações pareçam de uma gritante injustiça, as duas situações não são diretamente comparáveis. Não quero com isto dizer que não se procure renegociar as rendas económicas das PPP e das elétricas, embora considere haver um limitado e estrito campo de renegociação, juridicamente admissível.

Mas então dirão alguns, existe sempre a possibilidade de não pagar parte da dívida, já que ela é responsável pelos elevados juros que oneram o orçamento. Se é verdade que os juros dos empréstimos oneram fortemente o orçamento, não menos verdade é que continuamos a necessitar de financiamento externo para proporcionar o crescimento.

Mas se nos negamos a pagar a dívida (poupando nos juros) quem nos vai emprestar o dinheiro para fazer os investimentos necessários para colocar a economia a crescer e suportar o défice estrutural da economia portuguesa ? Ou será que estamos ingenuamente à espera que depois de recusarmos pagar a dívida existente, os mesmos financiadores voltem a dar-nos dinheiro para novos empréstimos ?

É que se uma tal situação acontecer, podemos estar certos que o ajustamento da economia portuguesa se fará mais rapidamente do que se imagina. Sem financiamento, ao Estado não restará senão pagar apenas com receita que comsegue obter. E como já sabemos que ela é subejamente insuficiente para as necessidades, só com ela poderemos contar.

Serve isto tudo para dizer que as alternativas sérias ao status quo são  realmente muito reduzidas, e, passam, fundamentalmente, pelo esforço de fazer baixar a taxa de juro a que os mercados estão dispostos a nos emprestar dinheiro, a qual, inexoravelmente, passa por fazer baixar o défice do estado.

Tal como ao sapateiro altamente endividado, que constantemente pede dinheiro emprestado aos familiares para comprar couro para manter a sua atividade, não lhe servirá de nada ameaçar que vai deixar de pagar a sua dívida se não se assegura que antes consegue equilibar as suas despesas com as suas receitas.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

FRESCO DE CRISTO

Na primeira semana de setembro de 2012, o mundo foi assaltado pela notícia de que uma idosa espanhola, beata da igreja do santuário da misericórdia, em Borja, Saragoça, triste com o facto de um fresco com a imagem de cristo se encontrar detriorado, se prontificou a proceder, de sua autoria, ao pretendido restauro do mesmo.

Aconteceu porém o pior. Da imagem detriorada de um cristo sofredor surgiu uma imagem bucólica, para não dizer anedótica, de um ser gordo, bolochudo, quase bobo.

Tal facto, uma vez noticiado por todo o mundo, proporcionou a gargalhada geral mas também criou um sentimento, quase geral, de empatia e compreensão para com a dita restauradora voluntariosa. Organizaram-se visitas ao local para ver ao vivo tão bizarra como bucólica imagem restaurada.

Contudo, não se conhece qualquer movimento organizado ou voluntário no sentido de punir ou mesmo ostracizar a autora do dito restauro ou contra as empresas de comunicação que difundiram a notícia e a imagem pouco lisonjeira para o símbolo máximo dos cristãos.

Imagine-se porém se tal facto acontecesse numa qualquer mesquita com a imagem do profeta Maomé. Se o restauro de um fresco do profeta Maomé resultasse numa forma tão grotesca, quase anedótica, e essa situação fosse difundida mundialmente pelos meios de comunicação internacionais, a ridicularizarem a nova imagem pseudo restaurada, apresentando-a de uma forma grotesca, quase boba, qual teria sido o sentimento dos milhões de muçulmanos ?

Será que os muçulmanos teriam reação semelhante à dos cristãos sobre as imagens pseudo restauradas da Igreja de Borja ?

Tendo em conta a reação que manifestam quando surge num qualquer jornal ocidental uma qualquer caricatura ao profeta Maomé, bem como as reações que tiveram ao recente filme difundido no You Tube sobre aquele profeta, ou à queima do Corão por parte de uma menor autista no Paquistão, fácil seria prever que a reação não seria de todo serena.

Todos sabemos que existem diferenças na cultura cívica, mas também religiosa entre cristãos e muçulmanos. Mas a diferença do que aqui se trata é de algo mais básico, e esse básico tem a ver com o estado primário em que ainda vive grande parte do povo muçulmano quanto ao reconhecimento dos valores sobre o ser humano e a sua relação com a espiritualidade. Quem coloca à frente dos valores básicos sobre o ser humano as questões da espiritualidade revela que ainda tem um longo caminho a percorrer para conjugar de forma harmoniosa e equilibrada a vida e a espiritualidade.

 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

RESMAS DE COMPETITIVIDADE

Quando o governo português anunciou as alterações na taxa social única (TSU), fundamentou a sua implementação com a necessidade de, através desta estratégia fiscal, proporcionar, de forma célere, fatores de competitividade às empresas portuguesas, idênticas às que resultariam da desvalorização cambial (instrumento fora do alcance do governo por fazermos parte da zona euro).

Áparte os descontentamentos que os sindicatos, partidos políticos da oposição (e não só) e parte substancial da população portuguesa manifestaram com a previsível implementação de uma tal medida, assistiu-se a um conjunto de agentes económicos que surpreendeu pela posição tomada. Refiro-me às entidades representativas do patronato bem como de alguns empresários mediaticamente conhecidos.

Vieram estes dizer que, a transferência de parte do ónus da TSU para os trabalhadores, em favor das empresas, não proporcionava qualquer incremento de competitividade às suas empresas, para além de fazer reduzir substancialmente a procura interna dos seus produtos e serviços.

Assim, assumiam as entidades patronais, logo seguidos por alguns patrões mediáticos, que se tal medida fosse avante, estariam na disposição, ou mesmo, afirmavam categoricamente que transfeririam a poupança potencial obtida, para os seus trabalhadores.

Ora, fazendo jus às afirmações das entidades patronais, ou seja, se a poupança resultante das alterações propostas à TSU não proporcionam acréscimo de competitividade às empresaas portuguesas, é legítimo concluir que as empresas portuguesas têm uma folga de competitidade pelo menos equivalente à poupança que obteriam com aquela medida.

Tal conclusão é reforçada pelo facto de as entidades patronais terem afirmado que assumiriam o aumento dos custos do trabalho, na exacta medida da poupança obtida.

Serve isto para dizer que os sindicatos nunca tiveram uma tão grande oportunidade para justificar, como legítima e justa, a reivindicação de aumentos salariais nas empresas portuguesas, equivalentes às poupanças que o empresariado português entendeu como desnecessárias ao acréscimo de competitividade.

O mais surreal de tudo isto, foi que, a rejeição às alterações à TSU, obtiveram a unanimidade das entidades representativas da indústria, comércio, turismo e até da agricultura.Vá-se lá perceber. Afinal, as empresas nacionais, de todos os sectores de atividade, esbanjam resmas de competitividade.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O POVO É QUEM MAIS ORDENA

O País assistiu, na passada semana, ao anúncio de um conjunto de medidas, embora anunciadas de forma genérica, que o Governo tenciona incorporar no orçamento de estado para 2013.

É certo que a globalidade das medidas anunciadas vão novamente fazer-se sentir na população em geral, de forma severa e, por vezes, a roçar os limites do tolerável. De imediato, ouviu-se um coro de protesto de sindicatos, confederações empresariais, partidos e da população que participou na tão propagandeada, anunciada e acompanhada manifestação de centenas de milhar de portugueses.

Até aqui nada de novo. Ou seja, a democracia é para isto mesmo. Quem está contra manifesta-se, desde que o faça dentro dos limites do tolerado pela lei.

Mas vieram logo os oportunistas do costume dizer que o povo português estava na rua. É verdade. Mas não era todo o povo português. Quem passou pelas praias da zona de Lisboa (linha de Cascais, Costa da Caparica até à Fonte da Telha) deve ter constatado que igualmente, estavam centenas de milhar de pessoas (também portugueses) que ou não se motivaram o suficiente para participar na manifestação ou simplesmente não quiseram ir ou então gostariam de lá estar mas preferiram aproveitar os últimos dias de verão.

E na lógica de que a rua é quem mais ordena, houve mesmo comentaristas políticos, jornalistas e políticos, que adiantaram a brilhante ideia de que o governo estava e está moribundo, e devia sair ou ser demetido pelo Presidente da Repúbica.

Esquecem-se que o 25 de abril não foi feito para que as decisões de manutenção ou continuidade dos governos, sejam eles quais forem, sejam tomadas na rua. Nem mesmo foi feito, como alguns querem fazer querer, para colocar o pão à mesa de cada família, dar uma habitação a cada família ou um carro (embora de forma platónica a constituição assegure que todos têm direito à habitação - só se esqueceu de dizer como).

O 25 de abril foi feito para que um país, Portugal, fosse organizado politicamente de forma democrática. O que implica que é o povo, no âmbito das diversas eleições que se realizam de forma periódica e de acordo com um determinado calendário, escolham os seus representantes para os diversos orgãos de poder do estado, e, em sua consequência, esses eleitos nos governem, em função dos programas eleitorais (pelo menos de forma idealista).

Dirão alguns (senão a generalidade dos portugueses) que os sucessivos governos, logo que se instalam no poder, alteram substancialmente, para não dizer de forma irreversível, os seus programas eleitorais.

É certo que os programas eleitorais são orientações (ou deviam ser) daquilo que seria de esperar da governação dos nossos eleitos. Mas não é necessariamente assim (como nós infelizmente sabemos) nem tem de ser necessariamente assim. O exercício da governação é, mais do que a execução de um programa ideal, a execução de um modelo económico, social e cultural dentro dos limites e capacidade financeira do estado (embora alguns governos tenham ido muito além do que a capacidade dos estados permitia financeiramente), em função do que em cada momento é possível (e não necessariamente desejado ou desejável) fazer. E esse modelo económico, social e cultural deve ser interpretado pelos eleitores dentro da linha política que cada partido defende e não necessariamente dentro dos programas eleitorais.

É pois inadmissível que se pretenda um determinado efeito político (demissão de um governo) porque em dado momento, parte da população tenha manifestado o seu profundo desagrado publicamente, ainda que esse mesmo governo continue a manter intacto o suporte da maioria dos deputados da assembleia da república.

É por isso com surpresa (para não usar palavras mais cruas) ou talvez não, que constatei afirmações no sentido de que o Presidente da República devia demitir o governo, ainda para mais quando tais afirmações terão sido produzidas por ex governantes.

Tal como escreveu o Constitucionalista Vital Moreira, no seu blog, Causa Nossa, em 16 de setembro de 2012 e que subscrevo na íntegra, "Nenhuma democracia pode assentar em referendos de rua, para revogar decisões políticas do governo em funções. isto vale para todos os governos, incluindo aqueles de que não gostamos - e em quem não votámos.".

O Povo é quem mais ordena, é verdade, mas não é na rua. É nas urnas.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

PRESTAMISTA DE ÚLTIMA INSTÂNCIA

Desde o 25 de abril de 1974 que Portugal se tem confrontado regularmente com problemas de endividamento excessivo do Estado. Tal situação, associada a constantes défices orçamentais já determinaram, por três vezes, desde aquela data, a necessidade de intervenção externa no sentido de assegurar o financiamento da economia e do Estado português.

Este último resgate com que nos defrontamos atualmente, tem de diferente face aos anteriores o fato de que de uma forma regular e incisiva ter sido previsto com alguma antecedência, e os nossos governantes terem sido alertados para a possível eminência da sua necessidade. Tal situação agravou-se, é justo dizê-lo, pela crise financeira despoletada nos Estados Unidos da Améria, a qual veio colocar, de forma premente e aguda, uma pressão insuportável sobre as dívidas soberanas dos estados europeus altamente endividados.

Mas tudo isto já sabemos. O que a generalidade da população, dos países sob intervenção dos planos de resgate desenhados pela CE, FMI e BCE (a denominada troica),  não aceita ou tem dificuldade em aceitar é que sejam elas a pagar por uma dívida que "não contraíram".

Quanto aos restantes países sob intervenção não me pronunciarei, mas quanto a Portugal atrevo-me a partilhar com os cibernautas as minhas reflexões.

Portugal desde há várias décadas tem uma incapacidade de gerar poupança suficiente para financiar a economia portuguesa, mormente os investimentos públicos bem como os investimentos privados, já para não falar do financiamento ao consumo privado. Tal incapacidade resulta de uma fraca capacidade de gerar riqueza, como também a um crescente hábito de consumo em detrimento da poupança. Assim, a pouca riqueza gerada e poupada em Portugal não tem sido suficiente para financiar o nosso desejo (diga-se legítimo) por aspirar a um nível superior de bem estar coletivo e individual.

Acontece porém, que ao exigirmos mais bens e serviços públicos, mais infra estruturas públicas, mais assistência hospitalar pública, mais educação pública, mais bem estar coletivo e bens de consumo privado temos que ter a consciência de que ou temos dinheiro para os pagar a pronto ou nos endividamos, seja o estado sejam as empresas ou famílias.

E nesta ânsia de reivindicarmos cada vez mais e melhor para satisfazer o nosso desejo de bem estar coletivo e individual teria sido de bom senso acautelar se o estamos a fazer a um ritmo demasiado acelerado para a nossa capacidade. Nada melhor para expressar esta situação senão o dito popular  "demasiada areia para a minha carruagem".

Se formos intelectualmente honestos, todos nós devemos ter consciência que participámos, ou exigimos aos nossos governantes, passiva ou ativamente, no âmbito de uma quase "histeria coletiva", um novo hospital junto da nossa comarca, uma melhor auto estrada que servisse os  nossos interesses profissionais ou lúdicos, uma melhor escola de preferência com turmas em que o rácio professor alunos fosse digno das melhores estatísticas mundiais, novas universidades para satisfazer as necessidades de ensino mormente daquele curso que ninguém, para além dos diretamente envolvidos, sabe para que serve, que a televisão pública patrocinasse jogos de futebol como se de um canal desportivo de tratasse, que as câmaras providenciassem àgua a preços irrealistas, que as câmaras criassem todo um conjunto de serviços camarários nem que para isso tivessem de criar estruturas pseudo empresariais com custos para o herário público muito acima do financeiramente aceitável, que as câmaras patrocinassem habitação social sem cuidar de verificar assertivamente sobre a real necessidade e capacidade dos beneficiários em pagar rendas justas, que as empresas públicas, mormente as de transporte, prestassem o melhor serviço, e de preferência universal, a preços substancialmente abaixo do seu custo real.

Tudo isto e muito mais foi exigido pela população (em termos genéricos), tendo apenas ficado nestes termos porque, apesar das exigências, ainda existiram algumas mentes que de tempos em tempos se opunham a este desvario coletivo.

É certo, dirão alguns, e eu concordo plenamente, que parte substancial do desvario financeiro a que chegámos não resulta necessariamente das exigências da população por mais e melhores bens e serviços públicos, mas sim da incapacidade, negligência ou algo mais grave na forma como a gestão da coisa pública (incluindo a feitura e negociação de contratos) foi feita pelos nossos governantes.

Mas também é verdade que se tivesse havido da parte da generalidade da população uma exigência maior sobre a real avaliação da necessidade de determinados investimentos públicos muitos dos desvarios existentes nunca se tinham concretizado. O mal foi como se usa dizer juntar a fome com a vontade de comer. A fome estava na vontade que a generalidade da população tinha de usufruir de bens e serviços públicos ao nível dos países mais desenvolvidos, enquanto a vontade de comer estava não só ao nível das empresas que podiam ganhar com a realização de tais investimentos como dos políticos que sonhavam com a sua eternização no poder satisfazendo os desejos da população e dos agentes locais de pressão (mestres na manipulação das reivindicações das populações).

E se consideram que a pressão da população e da sociedade civil não eram suficientes para demover tamanhas atrocidades quanto a decisões de investimento totalmente ilógicas, apresento-vos aqui uma síntese de algumas obras emblemáticas que foram reequacionadas, mesmo antes de atingirmos a situação de quase falência do Estado:
1) construção do TGV prevendo 3 ligações a Espanha (este era o projeto inicial que resultou da pressão exercida pelos autarcas e grupos de pressão do norte do país);
2) nova ponte sob o Tejo (projeto inicial para fazer passar o TGV da margem norte para a margem sul);
3) novo aeroporto na OTA (projeto substituído pelo de Alcochete por representar de forma gritante um custo ambiental e financeiro muito superior à segunda alternativa);
4) 5 submarinos para a marinha (posteriormente substituídos por 3).

E mais não foram simplesmente porque a população nunca considerou a generalidade dos investimentos públicos como um atentado, e um risco que iria sobrar para elas, mas sim como uma legítima e necessária satisfação das necessidades da população.

Veja-se ainda os casos recentes de investimentos privados cujas populações, acicatadas pelos grupos locais de pressão (autarcas, sindicatos e emprersas) reivindicaram que o Estado aligeirasse ou mesmo participasse no risco financeiro do investimento privado, mesmo que para isso não acautelasse os interesses do Estado. Refiro-me ao financiamento do projeto turístico no Alqueva e da RPP Solar, cujos grupos de pressão locais apelaram publicamente para que o Governo e/ou a CGD aligeirassem os procedimentos de salvaguarda dos interesses do Estado.

Melhor fazia a população se exigisse aos políticos e aos grupos de pressão locais que assegurassem na máxima força os procedimentos de salvaguarda dos interesses do Estado, em vez de promoverem e ajudarem aqueles que, explorando a natural apetência das populações para exigir mais e melhores bens e serviços públicos escudam-se nas suas reivindicações para exigir do Estado um aligeirar de regras prudenciais e a participação de dinheiros públicos em projetos de utilidade mais que duvidosa senão mesmo ruinosa.

É pois neste quadro que concluo que a dívida é nossa (povo e empresas) e com ela vamos ter de saber lidar. Não vale a pena atirar culpas exclusivamente aos governantes / políticos, na generalidade das situações fomos nós que exigimos  mais e melhores bens  e serviços públicos sem nos preocuparmos sobre o seu custo desde que os obtivéssemos, e muito raramente nos insurgimos contra decisões de investimento inqualificavelmente inexplicáveis.

Resta-nos a lição para que daqui em diante, quando reivindicarmos algo que nos dá muito jeito, saber se tal é ou não indispensável, e saibamos ouvir também as vozes críticas, pois que em questões de dívida dos Estados não é este que é prestamista de última instância mas sim o povo, através dos impostos que coercivamente tem de pagar.