quarta-feira, 19 de setembro de 2012

PRESTAMISTA DE ÚLTIMA INSTÂNCIA

Desde o 25 de abril de 1974 que Portugal se tem confrontado regularmente com problemas de endividamento excessivo do Estado. Tal situação, associada a constantes défices orçamentais já determinaram, por três vezes, desde aquela data, a necessidade de intervenção externa no sentido de assegurar o financiamento da economia e do Estado português.

Este último resgate com que nos defrontamos atualmente, tem de diferente face aos anteriores o fato de que de uma forma regular e incisiva ter sido previsto com alguma antecedência, e os nossos governantes terem sido alertados para a possível eminência da sua necessidade. Tal situação agravou-se, é justo dizê-lo, pela crise financeira despoletada nos Estados Unidos da Améria, a qual veio colocar, de forma premente e aguda, uma pressão insuportável sobre as dívidas soberanas dos estados europeus altamente endividados.

Mas tudo isto já sabemos. O que a generalidade da população, dos países sob intervenção dos planos de resgate desenhados pela CE, FMI e BCE (a denominada troica),  não aceita ou tem dificuldade em aceitar é que sejam elas a pagar por uma dívida que "não contraíram".

Quanto aos restantes países sob intervenção não me pronunciarei, mas quanto a Portugal atrevo-me a partilhar com os cibernautas as minhas reflexões.

Portugal desde há várias décadas tem uma incapacidade de gerar poupança suficiente para financiar a economia portuguesa, mormente os investimentos públicos bem como os investimentos privados, já para não falar do financiamento ao consumo privado. Tal incapacidade resulta de uma fraca capacidade de gerar riqueza, como também a um crescente hábito de consumo em detrimento da poupança. Assim, a pouca riqueza gerada e poupada em Portugal não tem sido suficiente para financiar o nosso desejo (diga-se legítimo) por aspirar a um nível superior de bem estar coletivo e individual.

Acontece porém, que ao exigirmos mais bens e serviços públicos, mais infra estruturas públicas, mais assistência hospitalar pública, mais educação pública, mais bem estar coletivo e bens de consumo privado temos que ter a consciência de que ou temos dinheiro para os pagar a pronto ou nos endividamos, seja o estado sejam as empresas ou famílias.

E nesta ânsia de reivindicarmos cada vez mais e melhor para satisfazer o nosso desejo de bem estar coletivo e individual teria sido de bom senso acautelar se o estamos a fazer a um ritmo demasiado acelerado para a nossa capacidade. Nada melhor para expressar esta situação senão o dito popular  "demasiada areia para a minha carruagem".

Se formos intelectualmente honestos, todos nós devemos ter consciência que participámos, ou exigimos aos nossos governantes, passiva ou ativamente, no âmbito de uma quase "histeria coletiva", um novo hospital junto da nossa comarca, uma melhor auto estrada que servisse os  nossos interesses profissionais ou lúdicos, uma melhor escola de preferência com turmas em que o rácio professor alunos fosse digno das melhores estatísticas mundiais, novas universidades para satisfazer as necessidades de ensino mormente daquele curso que ninguém, para além dos diretamente envolvidos, sabe para que serve, que a televisão pública patrocinasse jogos de futebol como se de um canal desportivo de tratasse, que as câmaras providenciassem àgua a preços irrealistas, que as câmaras criassem todo um conjunto de serviços camarários nem que para isso tivessem de criar estruturas pseudo empresariais com custos para o herário público muito acima do financeiramente aceitável, que as câmaras patrocinassem habitação social sem cuidar de verificar assertivamente sobre a real necessidade e capacidade dos beneficiários em pagar rendas justas, que as empresas públicas, mormente as de transporte, prestassem o melhor serviço, e de preferência universal, a preços substancialmente abaixo do seu custo real.

Tudo isto e muito mais foi exigido pela população (em termos genéricos), tendo apenas ficado nestes termos porque, apesar das exigências, ainda existiram algumas mentes que de tempos em tempos se opunham a este desvario coletivo.

É certo, dirão alguns, e eu concordo plenamente, que parte substancial do desvario financeiro a que chegámos não resulta necessariamente das exigências da população por mais e melhores bens e serviços públicos, mas sim da incapacidade, negligência ou algo mais grave na forma como a gestão da coisa pública (incluindo a feitura e negociação de contratos) foi feita pelos nossos governantes.

Mas também é verdade que se tivesse havido da parte da generalidade da população uma exigência maior sobre a real avaliação da necessidade de determinados investimentos públicos muitos dos desvarios existentes nunca se tinham concretizado. O mal foi como se usa dizer juntar a fome com a vontade de comer. A fome estava na vontade que a generalidade da população tinha de usufruir de bens e serviços públicos ao nível dos países mais desenvolvidos, enquanto a vontade de comer estava não só ao nível das empresas que podiam ganhar com a realização de tais investimentos como dos políticos que sonhavam com a sua eternização no poder satisfazendo os desejos da população e dos agentes locais de pressão (mestres na manipulação das reivindicações das populações).

E se consideram que a pressão da população e da sociedade civil não eram suficientes para demover tamanhas atrocidades quanto a decisões de investimento totalmente ilógicas, apresento-vos aqui uma síntese de algumas obras emblemáticas que foram reequacionadas, mesmo antes de atingirmos a situação de quase falência do Estado:
1) construção do TGV prevendo 3 ligações a Espanha (este era o projeto inicial que resultou da pressão exercida pelos autarcas e grupos de pressão do norte do país);
2) nova ponte sob o Tejo (projeto inicial para fazer passar o TGV da margem norte para a margem sul);
3) novo aeroporto na OTA (projeto substituído pelo de Alcochete por representar de forma gritante um custo ambiental e financeiro muito superior à segunda alternativa);
4) 5 submarinos para a marinha (posteriormente substituídos por 3).

E mais não foram simplesmente porque a população nunca considerou a generalidade dos investimentos públicos como um atentado, e um risco que iria sobrar para elas, mas sim como uma legítima e necessária satisfação das necessidades da população.

Veja-se ainda os casos recentes de investimentos privados cujas populações, acicatadas pelos grupos locais de pressão (autarcas, sindicatos e emprersas) reivindicaram que o Estado aligeirasse ou mesmo participasse no risco financeiro do investimento privado, mesmo que para isso não acautelasse os interesses do Estado. Refiro-me ao financiamento do projeto turístico no Alqueva e da RPP Solar, cujos grupos de pressão locais apelaram publicamente para que o Governo e/ou a CGD aligeirassem os procedimentos de salvaguarda dos interesses do Estado.

Melhor fazia a população se exigisse aos políticos e aos grupos de pressão locais que assegurassem na máxima força os procedimentos de salvaguarda dos interesses do Estado, em vez de promoverem e ajudarem aqueles que, explorando a natural apetência das populações para exigir mais e melhores bens e serviços públicos escudam-se nas suas reivindicações para exigir do Estado um aligeirar de regras prudenciais e a participação de dinheiros públicos em projetos de utilidade mais que duvidosa senão mesmo ruinosa.

É pois neste quadro que concluo que a dívida é nossa (povo e empresas) e com ela vamos ter de saber lidar. Não vale a pena atirar culpas exclusivamente aos governantes / políticos, na generalidade das situações fomos nós que exigimos  mais e melhores bens  e serviços públicos sem nos preocuparmos sobre o seu custo desde que os obtivéssemos, e muito raramente nos insurgimos contra decisões de investimento inqualificavelmente inexplicáveis.

Resta-nos a lição para que daqui em diante, quando reivindicarmos algo que nos dá muito jeito, saber se tal é ou não indispensável, e saibamos ouvir também as vozes críticas, pois que em questões de dívida dos Estados não é este que é prestamista de última instância mas sim o povo, através dos impostos que coercivamente tem de pagar.





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