sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O POVO É QUEM MAIS ORDENA

O País assistiu, na passada semana, ao anúncio de um conjunto de medidas, embora anunciadas de forma genérica, que o Governo tenciona incorporar no orçamento de estado para 2013.

É certo que a globalidade das medidas anunciadas vão novamente fazer-se sentir na população em geral, de forma severa e, por vezes, a roçar os limites do tolerável. De imediato, ouviu-se um coro de protesto de sindicatos, confederações empresariais, partidos e da população que participou na tão propagandeada, anunciada e acompanhada manifestação de centenas de milhar de portugueses.

Até aqui nada de novo. Ou seja, a democracia é para isto mesmo. Quem está contra manifesta-se, desde que o faça dentro dos limites do tolerado pela lei.

Mas vieram logo os oportunistas do costume dizer que o povo português estava na rua. É verdade. Mas não era todo o povo português. Quem passou pelas praias da zona de Lisboa (linha de Cascais, Costa da Caparica até à Fonte da Telha) deve ter constatado que igualmente, estavam centenas de milhar de pessoas (também portugueses) que ou não se motivaram o suficiente para participar na manifestação ou simplesmente não quiseram ir ou então gostariam de lá estar mas preferiram aproveitar os últimos dias de verão.

E na lógica de que a rua é quem mais ordena, houve mesmo comentaristas políticos, jornalistas e políticos, que adiantaram a brilhante ideia de que o governo estava e está moribundo, e devia sair ou ser demetido pelo Presidente da Repúbica.

Esquecem-se que o 25 de abril não foi feito para que as decisões de manutenção ou continuidade dos governos, sejam eles quais forem, sejam tomadas na rua. Nem mesmo foi feito, como alguns querem fazer querer, para colocar o pão à mesa de cada família, dar uma habitação a cada família ou um carro (embora de forma platónica a constituição assegure que todos têm direito à habitação - só se esqueceu de dizer como).

O 25 de abril foi feito para que um país, Portugal, fosse organizado politicamente de forma democrática. O que implica que é o povo, no âmbito das diversas eleições que se realizam de forma periódica e de acordo com um determinado calendário, escolham os seus representantes para os diversos orgãos de poder do estado, e, em sua consequência, esses eleitos nos governem, em função dos programas eleitorais (pelo menos de forma idealista).

Dirão alguns (senão a generalidade dos portugueses) que os sucessivos governos, logo que se instalam no poder, alteram substancialmente, para não dizer de forma irreversível, os seus programas eleitorais.

É certo que os programas eleitorais são orientações (ou deviam ser) daquilo que seria de esperar da governação dos nossos eleitos. Mas não é necessariamente assim (como nós infelizmente sabemos) nem tem de ser necessariamente assim. O exercício da governação é, mais do que a execução de um programa ideal, a execução de um modelo económico, social e cultural dentro dos limites e capacidade financeira do estado (embora alguns governos tenham ido muito além do que a capacidade dos estados permitia financeiramente), em função do que em cada momento é possível (e não necessariamente desejado ou desejável) fazer. E esse modelo económico, social e cultural deve ser interpretado pelos eleitores dentro da linha política que cada partido defende e não necessariamente dentro dos programas eleitorais.

É pois inadmissível que se pretenda um determinado efeito político (demissão de um governo) porque em dado momento, parte da população tenha manifestado o seu profundo desagrado publicamente, ainda que esse mesmo governo continue a manter intacto o suporte da maioria dos deputados da assembleia da república.

É por isso com surpresa (para não usar palavras mais cruas) ou talvez não, que constatei afirmações no sentido de que o Presidente da República devia demitir o governo, ainda para mais quando tais afirmações terão sido produzidas por ex governantes.

Tal como escreveu o Constitucionalista Vital Moreira, no seu blog, Causa Nossa, em 16 de setembro de 2012 e que subscrevo na íntegra, "Nenhuma democracia pode assentar em referendos de rua, para revogar decisões políticas do governo em funções. isto vale para todos os governos, incluindo aqueles de que não gostamos - e em quem não votámos.".

O Povo é quem mais ordena, é verdade, mas não é na rua. É nas urnas.

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