sexta-feira, 12 de outubro de 2012

ESFORÇO DEMASIADO GRANDE....

No âmbito da pré discussão das novas medidas a implementar para o orçamento de estado de 2013, tem-se assistido a vários comentários de políticos, analistas e jornalistas sobre a brutalidade do esforço exigido aos portugueses.

Suportam parte desses comentários no facto de algumas instituições internacionais, nomeadamente o FMI, terem afirmado que a redução do défice não pode ser o instrumento privilegiado, mas sim o crescimento.

Se uma tal afirmação, abstratamente falando, não merece qualquer crítica, falta contudo esclarecer como se coloca os países intervencionados a crescer, e se um tal diserato deve ser feito independentemente do esforço de redução do défice.

Isto porque, os países intervencionados carecem de vários milhares de milhões de euros anuais, emprestados ou doados, para colmatar os elevados défices orçamentais. Ora se esses milhares de milhões de euros não podem ser supridos pelos mercados (devido às elevadas taxas de juro subjacentes) então só podem ser supridos com as ajudas externas. Mas se as ajudas externas só podem ser prestadas pelo BCE, FMI e CE , e estes condicionam a disponibilização dos empréstimos à redução do défice, então não vejo como se desenrola esta pescadinha de rabo na boca.

Por outro lado fala-se que os ricos é que devem pagar a crise. Mas em Portugal os ditos ricos não ultrapassam as 3.000 famílias (que têm rendimentos anuais acima dos 250.000 €).

Ora, admitindo-se que estas 3.000 famílias tenham um rendimento médio de 1.000.000 € anuais, e, aplicando uma taxa de imposto de 100% a todo esse rendimento (afastando a regra de aplicação das taxas marginais de IRS aos vários escalões), ainda assim, só se conseguiria obter uma receita total de 3.000 milhões de euros ano. Ficando muito aquém dos 6.000 milhões necessários para reduzir o défice previsto para 2013 (falei em reduzir não em eliminar).

Ora, uma tal receita, nunca poderia ser obtida, por que uma taxa de 100% implicava que não havia sequer incentivo, por parte dessas famílias, em obter um tal rendimento e, portanto, prescindiriam de o obter, anulando assim a possibilidade de serem tributadas. Ou seja, quando se fala em taxas de tributação maiores para os rendimentos  maiores, deve ter-se em conta da eficácia decrescente de tal medida, não devendo ultrapassar o limite a partir do qual as pessoas preferem não terem rendimento adicional se o ganho marginal líquido não lhes satisfazer. Quando esse extremo é atingido, a receita fiscal global desce por cada ponto percentual adicional que se incremente na taxa marginal de imposto.

A propósito disto, é admissível considerar que um tal limite se não chegou, estará muito perto de ser atingido. Quanto maior for a taxa marginal de imposto sobre rendimentos, maior será o incentivo por parte dos ricos a anular rendimentos actuais passando-os para rendimentos futuros, de forma a não serem tributados "hoje".

Por outro lado, fala-se das rendas excessivas das PPP e do sector energético, e que o Estado é ágil a retirar salários aos trabalhadores e lento a reduzir rendas económicas às empresas. É verdade que existe rendas económicas excessivas, quando comparadas com o mercado, para situações de quase ausência de risco empresarial. Mas é que enquanto a redução do salário refere-se a prestações futuras do fator trabalho (ou seja o detentor do fator trabalho pode sempre dizer que não está disposto a prestar trabalho por aquele valor), no caso das rendas económicas, a decisão de investimento foi já concretizada no passado, tendo por base o valor de renda prometido. Ou seja, no caso das PPP, o agente económico já tomou a decisão de investimento,  não podendo voltar atrás. Em contrapartida,  o detentor do fator trabalho ainda não efetuou a sua contraprestação, ou seja, tem a opção de não efetuar a sua contraprestação pelo valor reduzido que lhe propõem.

Dirão, e com razão, que na prática, caso o detentor do fator trabalho (leia-se trabalhador) assuma a opção de recusar a contraprestação, isso implica assumir que prefere estar desempregado que a trabalhar. É verdade, mas é exatamente isso que se passa com os desempregados que quando têm uma oferta de trabalho que consideram financeiramente desvantajosa a recusam (preferem não trabalhar a assumir um rendimento tão baixo).

Ou seja, embora concordando com a firmação de que as PPP e as elétricas usufruem de rendas económicas (rentabilidades acima do mercado), a sua redução é juridicamente mais dificil e juridicamente menos suportável, porque a sua contraprestação já foi realizada (não tendo por isso opção de voltar atrás na decisão de investir) enquanto na contraprestação do trabalho o seu detentor ainda pode decidir não a prestar (embora em seguida sofra a consequência da sua decisão). Se quiséssemos fazer a analogia com os detentores do fator trabalho, seria o mesmo que o Estado viesse dizer hoje, que a prestação de trabalho efetuada pelos trabalhadores nos últimos cinco anos, seria tributada a uma taxa superior à que realmente foi tributada (ou seja, depois de a contraprestação efetuada, alterava-se a tributação, não deixando qualquer opção de não aceitação de um tal contrato aos detentores do fator trabalho).

É por isso que, embora a situações pareçam de uma gritante injustiça, as duas situações não são diretamente comparáveis. Não quero com isto dizer que não se procure renegociar as rendas económicas das PPP e das elétricas, embora considere haver um limitado e estrito campo de renegociação, juridicamente admissível.

Mas então dirão alguns, existe sempre a possibilidade de não pagar parte da dívida, já que ela é responsável pelos elevados juros que oneram o orçamento. Se é verdade que os juros dos empréstimos oneram fortemente o orçamento, não menos verdade é que continuamos a necessitar de financiamento externo para proporcionar o crescimento.

Mas se nos negamos a pagar a dívida (poupando nos juros) quem nos vai emprestar o dinheiro para fazer os investimentos necessários para colocar a economia a crescer e suportar o défice estrutural da economia portuguesa ? Ou será que estamos ingenuamente à espera que depois de recusarmos pagar a dívida existente, os mesmos financiadores voltem a dar-nos dinheiro para novos empréstimos ?

É que se uma tal situação acontecer, podemos estar certos que o ajustamento da economia portuguesa se fará mais rapidamente do que se imagina. Sem financiamento, ao Estado não restará senão pagar apenas com receita que comsegue obter. E como já sabemos que ela é subejamente insuficiente para as necessidades, só com ela poderemos contar.

Serve isto tudo para dizer que as alternativas sérias ao status quo são  realmente muito reduzidas, e, passam, fundamentalmente, pelo esforço de fazer baixar a taxa de juro a que os mercados estão dispostos a nos emprestar dinheiro, a qual, inexoravelmente, passa por fazer baixar o défice do estado.

Tal como ao sapateiro altamente endividado, que constantemente pede dinheiro emprestado aos familiares para comprar couro para manter a sua atividade, não lhe servirá de nada ameaçar que vai deixar de pagar a sua dívida se não se assegura que antes consegue equilibar as suas despesas com as suas receitas.

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